31 de mai. de 2012

Pelos poderes de Tia Lucy


(*) uma homenagem muito especial à minha querida tia Dirce

Depois que você tiver lido este conto, certamente terá inveja da tia que Deus me deu. Tia Lucy é o tipo de alma que passa pela Terra uma única vez. Desde que a conheço por gente ela foi diferente. A fim de se manter equilibrada, mantém o seu pé direito plugado na Terra e o esquerdo na Lua. Caso ela tivesse nascido na Europa no tempo da Inquisição, certamente teria sido acusada de feitiçaria e conduzida à fogueira. Talvez isto até tenha acontecido e eu não saiba.

Ela já passou por várias fases (ou ciclos). Criada na igreja Católica - tendo uma mãe fervorosa - fora devota de Nossa Senhora. Mesmo nesta época - segundo me disse uma prima, testemunha ocular de sua infância - tia Lucy já mantinha um altarzinho escondido em algum canto do quintal, onde praticava as sua magias com as bonecas que ganhava.

Já adulta, fora devota da macrobiótica e de toda filosofia de vida embutida nesta prática. Levou na esteira desta sua convicção a família toda, que unida, comeu muito arroz integral, queijo tofu, cereais integrais, legumes, leguminosas, frutas e demais alimentos Yin e Yang. Nesta fase, tudo, absolutamente tudo, era correspondente ao Yin (negativo) ou ao Yang (positivo). Não sobrava espaço para uma terceira via.

Logo após esta fase, entrou em sua casa (e em sua vida) uma grande pirâmide, que foi acomodada em sua suíte e na qual ela e toda a família entraram, ficaram, repousaram e dormiram dias e noites em busca da energia cósmica. Junto com a pirâmide descobrira os cristais e todos os seus poderes. E dá-lhe passar cristal na nuca, no pescoço, nas pernas, na bunda e em todo lugarzinho em que aparecesse uma dorzinha qualquer.

Na sequência vieram as filosofias (seitas?) secretas, praticadas por grupos autointitulados de "espíritos de luz". A partir daí ela passou a abrir "portais" por tudo o que é canto da Terra. Já esteve no Butão, na Índia, China, Dubai, Nova York, Milão, Paris, Roma ou qualquer outro povoado chique em que seja necessário abrir-se um "portal". Percebe-se que ela não se dá ao trabalho de abrir "portais" em lugares recônditos e sem graça que - certamente - não merecem a sua presença e sua expertise. Para visitar estes lugares existem as bruxas operárias, que ainda não alcançaram o grau de evolução de tia Lucy.

A família, neste momento, encontra-se muito preocupada, já que tia Lucy não dá a cara há alguns meses. Na última vez que a vimos, ela embarcara para Jerusalém, a fim de abrir um portal na Cidade Santa. De lá para cá não atende mais o celular (cai na caixa postal), não envia cartão-postal nem e-mail. A gente está preocupado - e desconfiado - de que ela tenha embarcado em alguma nave e partido para sempre.


Para nos deixar ainda mais confusos, sua filha, Helena, disse-nos que recebera um telefonema da líder da irmandade (seita?), dizendo que o comandante de um avião da companhia aérea Star Peru avistou de sua cabine uma senhora sentada em uma vassoura, com uma linda capa preta de paetês, piscando-lhe e dando um tchauzinho; depois desta aparição, a tiazinha não identificada - desaparecera de seu campo de visão feito um raio de luz. Cá para nós, eu creio que esta senhora deva ser a tia Lucy.


Este conto acima serviu de inspiração para eu apresentar um trabalho muito especial que fiz para a marca de roupas infantis PETISTIL. Trata-se de uma etiqueta em formato de coroa que foi desenvolvida e produzida pela marca para adornar a sua coleção de roupas daquela estação. A etiqueta tem um fundo em tafetá, e o bordado foi feito em duas variantes de fios metálicos: o rosa e o ouro. De onde estiver, tenho certeza que tia Lucy está orgulhosa deste meu trabalho.


29 de mai. de 2012

Como uma deusa

Estava sentado em um banco no aeroporto de Congonhas à espera do voo que me levaria até Porto Alegre. A viagem era a trabalho, uma vez que rodava as principais cidades do país para visitar os lojistas que revendiam a marca de roupas femininas Huis Clos, de quem eu era o gerente comercial de atacado.

Como de costume, havia chegado ao aeroporto com bastante antecedência para fazer o check-in. O banco em que estava ficava quase em frente à livraria. Aquela era uma manhã fria de outono do ano 2000. Estava perdido em devaneios quando avistei um par de pernas à minha frente.


Eram as pernas! Reconheci de imediato a dona, mesmo ela estando de costas para mim. Você pode até duvidar desta minha assertividade, mas esta é a mais pura verdade. As pernas eram de Luiza Brunet.


À época eu estava com trinta e oito anos e era casado. As minhas amantes, todas elas, habitavam apenas a minha imaginação. E com toda segurança, Luiza Brunet encabeçava esta lista de top ten. A visão era paradisíaca. Ela estava lindamente vestida. Sobre o seu corpo podia-se ver apenas um longo casaco preto que terminava um pouco acima de seus joelhos. Um cinto feito do próprio tecido modelava a sua cintura. Os cabelos pretos, lisos e longos, tinham o DNA da dona. E as pernas, ah... as pernas, estavam emolduradas em meia arrastão. Nos pés, botas de cano alto. Deu para imaginar?


Para estragar aquele momento tão idílico, fazia-lhe companhia o seu marido argentino (hoje sabemos que ele dançou o tango). Entraram na livraria e eu tive que ir embora, retendo em minha retina aquela doce visão do paraíso. Mas a história não acaba aqui. Qual foi a minha surpresa quando, ao entrar no avião, dei de cara com a minha deusa sentada ao lado do argentino. Por ser vip, fora a primeira a embarcar na aeronave; atrás dela, os simples mortais como eu. De pé à procura de meu assento, torci para que este fosse próximo ao dela. Pedido feito, promessa atendida: sentei-me umas três fileiras atrás de Luiza, no mesmo corredor. De onde estava ficava assegurado a mim o privilégio de namorá-la a viagem inteira. Pensei: tomara que este voo demore bastante a chegar no destino. Mas a sorte reservava-me ainda mais umas pequenas surpresas. Por falta de espaço para colocar a minha pasta de couro, a aeromoça acomodou-a no bageiro acima de Luiza. Passados alguns minutos, para a surpresa geral, o comandante falou: "- Senhoras e senhores, pedimos desculpas pelo transtorno, mas os senhores terão que deixar a aeronave, pois a mesma apresentou problemas técnicos e precisará ficar em solo para uma revisão. Os senhores serão embarcados em breve em um outro voo da companhia." Ouviu-se um aaaaahhhhhh geral. O meu ah, com certeza, foi o mais enfático de todos. Como podia acontecer uma coisa daquela justamente comigo, pensei. Aos poucos os passageiros, um a um, foram deixando a aeronave. Quando chegou a minha vez, já próximo à porta, ouvi uma voz feminina a chamar-me: "Moço, esta pasta é sua?". Era Luiza. Quando virei-me para trás, pude vê-la sorrindo, olhando para mim, com a pasta estendida em suas mãos. "Sim, é minha.", disse-lhe, sem acreditar no que estava acontecendo. Em câmara lenta, fui em sua direção e peguei a pasta de suas mãos dizendo-lhe um "muito obrigado".


Aos que com inveja agora estão se perguntando se este fato realmente aconteceu, respondo: Sim, esta é a mais pura verdade. E como toda a sorte também tem o seu tempo para terminar, é óbvio que Luiza não embarcou comigo no voo que finalmente levou-me até Porto Alegre.

Como trilha sonora para este post, se pudesse, (isto porque quem manda efetivamente nele é a Claudia e ela é uma amiga ciumenta), eu escolheria a música "como uma deusa", na voz de Rosana. Apesar de brega, ela cai como uma luva nesta história.*

* Direito de resposta: Realmente o meu apurado gosto musical nada tem a ver com este vídeo... Mas diante da acusação de ciumenta, nada mais me resta...  (Claudia)

 

O tecido que serviu de inspiração para o texto acima foi feito para a marca de sapatos de luxo DELELLA. Assim como a roupa de Luiza Brunet, ele é preto e extremamente chique. Trata-se de um tecido dupla-face, bordado em ambos os lados. O desenho lembra uma sucessão de pequenas asas, com um ponto branco bordado no meio de cada uma delas. O tecido adornou uma das coleções de sapatos do renomado designer Alexandre Delela.


PS: Os grafites com o tema pernas foram encontrados quando estava passeando na avenida Paulista, e deparei-me com uma série de orelhões pintados por diversos artistas. Um mais lindo que o outro. Dentre eles, vi este que remete ao nosso tema: pernas femininas com meias pretas. 

Já estas pernas, não tão glamourosas, porém pertinentes ao tema, foram encontradas em uma barraca de camelô, na região do Brás, bem em frente à famosa Feirinha da Madrugada: e como diz o ditado: pernas para quem tem! 

26 de mai. de 2012

Com que roupa eu vou?


Doces anos da juventude. Uma vida inteira pela frente. Tempo suficiente para se cometer os erros necessários e os acertos sempre tão bem-vindos. Pois foi neste tempo que eu, cursando Comunicação Social na FAAP, tive a oportunidade de fazer um estágio em uma das agências de propaganda mais cobiçadas à época: a MPM. Eu era um jovem muito, muito tímido, vindo do interior de São Paulo, onde a vida, os modos e os costumes eram mais simples que os da grande cidade.

Na minha cabeça, eu teria que me apresentar na agência de uma forma elegante. Em resumo, teria que - segundo dissera a minha mãe - dar uma repaginada no meu guarda-roupa, comprando calças de alfaiataria, camisas, paletós, sapatos sociais etc. Pois foi o que fiz.


Nunca vou me esquecer da sensação de estranho no ninho que senti quando a responsável pelo RH da empresa apresentou-me à sala e aos colegas de trabalho que me acompanhariam nos próximos três meses.
Os momentos que se seguiram à abertura da porta foram um misto de silêncio e olhares estarrecedores. Parecia que aqueles cerca de dez funcionários estavam diante de um ET, vindo de uma galáxia muito distante. Olhei para eles, olhei para a minha roupa e tive vontade de fugir.


O departamento que a agência havia reservado para mim era o de past-up. Para os jovens de hoje, esta palavra associada à uma agência de publicidade não faz o menor sentido. Mas estamos falando aqui da primeira metade dos anos 80, quando a gente nem sonhava ainda com a existência de computadores, câmeras digitais e todas estas parafernálias que revolucionaram a vida de todos nós. Para quem não sabe, paste-up era o departamento que arte-finalizava os anúncios impressos, embalagens de produtos, folders e demais materiais promocionais. De todos os departamentos de uma agência, este era o que reunia as pessoas mais simples. Em geral, os profissionais que trabalhavam ali tinham habilidades técnicas extraordinárias, mas estavam muito longe do perfil das chamadas cabeças criativas. Estas, por sua vez, reuniam-se no cobiçado e desejado departamento de criação. A bem da verdade, era onde eu queria estar, mas - de fato - não era o que a agência tinha para mim. Diante da realidade, o melhor a ser feito - pensei - era encarar.

De volta àquela sala, passado o susto inicial, pude notar as conversinhas à meia-boca recheadas daquele sorriso sarcástico característico das pessoas medíocres que não sabem lidar com o diferente. Para elas, eu ali de pé, metido naquelas roupas burguesas, era um prato cheio para o apetite voraz de suas maldades. Tive a sorte de - em meio aquele burburinho - ter sido adotado de imediato por um dos funcionários que - ao contrário dos demais - mostrou-se solidário, colando-se a disposição para me esclarecer as dúvidas e conduzir o meu aprendizado. Os três meses que se seguiram ensinaram-me muitas coisas. Pude exercitar-me com aquelas réguas imensas presas às pranchetas, que posicionavam de forma milimétrica os textos que eram revelados em filmes no laboratório fotográfico contíguo à sala.


Tudo ali tinha que sair à perfeição. O produto final ia direto para as gráficas e virava os anúncios que faziam os consumidores (pelo menos era esta a intenção) ficaram com água na boca. E partirem do desejo para a ação: em outras palavras, o consumo.

A maior lição de todas as aprendidas ali - afora a de que eu não daria para trabalhar naquele departamento de jeito algum - foi  de que a roupa pode vir a ser um instrumento de inclusão ou de exclusão social. Tudo depende de como você se apresenta.E para quem se apresenta.

O texto acima motivou-me a apresentar a seguir uma série de etiquetas feitas para a PARAMOUNT, uma empresa que é referência em roupa masculina de bom gosto.


Estas etiquetas foram feitas na época da abertura das lojas próprias de varejo que o grupo PARAMOUNT promoveu em diversas localidades. Senti-me muito honrado em ter sido escolhido para realizar este trabalho.



As três últimas etiquetas a serem apresentadas foram feitas para as parcerias comerciais que a empresa empreende junto às marcas CRIS BARROS (minha cliente também); VR e DASLU HOMEM.



PS: O desenho e a foto da escultura, exibidos acima, são de minha autoria. A imagem que ilustra o tema paste-up, foi extraída de um site americano. Clique na foto para saber mais sobre o assunto.

24 de mai. de 2012

Hotel do lago. Seja bem vido(a)


Houve uma época em que viajei bastante à trabalho. Fazia parte de minha função. Naqueles anos havia assumido a profissão de supervisor e depois gerente de vendas voltado ao mercado que chamamos de atacado: vendas a lojas multimarcas. O segmento era o de moda. Em um destes trabalhos, coube a mim implementar uma viagem de três semanas acompanhando a representante cuja área de atuação era o interior de São Paulo. Seu nome: Márcia.

Recordo-me com saudades desta viagem. Foram dias de intenso trabalho, viajando de cidade em cidade, visitando os clientes por nós já cadastrados e conhecendo novos possíveis parceiros comerciais. Márcia, a quem já nutria uma imensa simpatia, mostrou-se uma companheira de viagem de primeira qualidade. Eu,nesta época, era casado e ela namorava o rapaz com quem anos depois acabou se casando. Estávamos em Junho de 1998, em plena Copa do Mundo de Futebol. Recordo-me de um dia em que aconteceria um destes jogos. Estávamos em trânsito, indo de uma cidade para outra .Ao entrarmos na cidade programada, estávamos a poucos minutos do início da partida. A cidade havia parado para assistir o jogo. Como não dava tempo de procurarmos um hotel, assistimos o mesmo em meio a uma turma de amigos reunida em um posto de gasolina, com cadeiras de plástico improvisadas para a torcida. Infelizmente naquele dia o Brasil perdeu. Mas o momento da viagem que eu desejo registrar aqui não foi  exatamente este. Contarei a seguir:
Já era noite e havíamos trabalhado o dia inteiro nas cidades de Ribeirão Preto e na vizinha Sertãozinho. Poderíamos ter procurado um hotel naquela cidade para dormirmos e continuarmos a viagem no dia seguinte. Decidimos porém seguir em frente para adiantarmos o trabalho do próximo dia. Nestas viagens eu dirigia e Márcia era o carona. Passamos novamente por Ribeirão Preto, desta vez a caminho de São Paulo. Quando nos aproximamos da cidade em questão (não direi o nome para preservá-la), disse à Márcia que estava muito cansado e que o melhor seria procuramos um hotel ali mesmo.


Márcia não aprovara a ideia, já que não estava certa de encontrarmos ali um bom lugar para passarmos a noite. Confesso que naquela época não tinha o jogo-de-cintura que tenho hoje, e quando encasquetava com uma ideia, era muito difícil alguém conseguir demovê-la. A contragosto de Márcia, entramos na cidade e paramos em um boteco aberto para perguntarmos sobre um possível hotel. A pessoa com quem falamos disse-nos que ali não havia bons hotéis e indicou-nos um que - se não me falha a memória - chamava-se Hotel do Lago. O nome nos pareceu um tanto sinistro. Márcia insistiu que o melhor a fazermos seria seguirmos viagem.

Opus-me a ideia e fomos procurar o tal do hotel.

O hotel ficava distante do centro da cidade. Não sabíamos, mas estávamos naquele momento muito próximos de entrarmos em um daqueles filmes tipo Alfred Hitchcock, e virarmos os personagens principais da estória.

O trajeto até o hotel passava por ruas ermas, vazias de gente àquela hora da noite. Algumas placas talhadas em madeira, posicionadas em alguns pontos do caminho, nos indicavam a direção a seguir.
Márcia, alterada, resmungava e xingava-me a todo instante. Dissera-me que se tivesse coragem, sairia do carro e seguiria a viagem sozinha. A pressão, porém, não me fez alterar o propósito de ficar por ali.


Quando finalmente chegamos na frente do hotel, entendemos o porquê do mesmo chamar-se Hotel do Lago. Ele encontrava-se de frente ao próprio. Com os vidros do carro abertos, escutávamos apenas o som dos grilos falantes e o coaxar dos sapos. Olhando para o lago, podíamos ver uma espécie de névoa que saia da superfície da água e caminhava em direção ao céu. Márcia falou-me mais uma vez:" - Vamos embora daqui.".


Respondi-lhe: "- Márcia, estou morto de cansado e não aguento seguir viagem. É só uma noite. Não vamos morrer por isso."

Já no hotel, não apareceu ninguém para nos receber. O mesmo constituía-se de uma casa avarandada e uma construção ao lado; mais parecia uma pousada. Descemos do carro e nos dirigimos à porta de entrada. A mesma era uma porta de tela, destas que você empurra e a mesma se fecha sozinha. Ao abri-la, fez-se um som de rangido: nheeecc. A nos receber, encontravam-se apenas alguns gatos espalhados preguiçosamente pela mesa comprida da recepção. As demais mesas do local, menores, estavam devidamente prontas - com suas toalhas de plástico estampadas de frutas - para o café da manhã do dia seguinte.Havia os gatos e mais ninguém. Márcia, assustada, fez Nome do Pai. Vi que no balcão existia uma campainha. Bati o dedo e ela tocou: priiiiiiiiiiim. Feito isto, apareceu uma recepcionista, bastante sorridente e simpática, que nos explicou: aquele era um hotel muito procurado por pessoas que vinham à cidade em busca de curas espirituais feitas em um famoso centro espírita.Enquanto permaneciam no local, em tratamento, ficavam no hotel para dormir e descansar. Aquele não era o dia em que os cultos aconteciam; por isto o local encontrava-se vazio.


Após ouvir atentamente a história, Márcia insistiu: "- Vamos embora daqui. Aqui eu não fico.". Disse-lhe então: "- Pois vamos ficar,  já que eu não aguento mais dirigir.". Machista, não passava pela minha cabeça deixá-la seguir viagem dirigindo.

A recepcionista providenciou-nos então dois quartos, um ao lado do outro. Márcia estava com tanto medo que não queria dormir sozinha. Insisti que era preciso, pois prometera a minha mulher que - sob hipótese nenhuma - dormiria no mesmo quarto que ela. Márcia - disse-me no dia seguinte, tomada de raiva e rancor - que não dormira praticamente a noite toda, só de imaginar que na cama que estava já tinham dormido inúmeros doentes terminais ou pessoas com diversas doenças.


A verdade é que nenhum "espírito" apareceu-nos para nos tirar o sono ou a paz. Eu, por minha vez, confesso que dormi como um anjo.

Passados estes anos todos e já devidamente desculpado por Márcia, arrependo-me - não pelo hotel propriamente dito, que não tinha nada de errado -, mas por ter forçado a barra de Márcia, que lá não desejava ficar.


Se pudesse voltar ao tempo, Márcia querida, teria lhe oferecido naquela noite algum hotel - de preferência - de frente para o mar Mar Atlântico, Pacífico, Mediterrâneo ou Vermelho. Hotel do Mar, é isto!  Hotel do Lago, nunca mais.

eu, (a verdadeira) Márcia e um cliente, em uma de nossas viagens
O texto acima serviu de inspiração para apresentar aqui um tecido que desenvolvi e produzi para a designer BIANCA RANUCCI, para a sua coleção Outono Inverno 2012. A inspiração do mesmo veio de uma viagem à costa oeste dos Estados Unidos feita por Bianca e seu marido. Ela inspirou-se no mapa geográfico da região visitada para criar a estampa.


Desenvolvemos a mesma em duas variantes de cores, cada uma com cinco cores de bordado. A variante produzida foi esta de fundo havana. As cores de bordado foram tapera, café, ferrugem, havana e preto. Veja o tecido e as roupas feitas com ele e boa viagem!

estudo do tecido


A CONQUISTA E DERROCADA DE UM TERRITÓRIO

Fora do mapa, você estava
Não era nada além de um território sem nome,
sem dono, sem direção
Quem quisesse encontrar-lhe não a veria
em nenhum continente, país, condado ou município
Para todo efeito você não existia
Depois de um tempo, passadas revoluções, lutas armadas,
conluios e armações, você passou a existir
Deram-lhe um território, com cor definida, forma e tamanho
Passou a ocupar uma região bem próxima ao coração
Dada a localização, pintaram-lhe de vermelho,
Não sei bem se de sangue ou de paixão.
Feito isso, enviaram-lhe para uma gráfica que lhe imprimiu
e fez-se assim um novo mapa geográfico
Pendurada na parede do gabinete, veio alguém e lhe espetou
um alfinete dentro de seu território
Nascia ali a sua Capital
Batizaram-na de Sol Nascente e assim você ganhou
toda uma máquina de administração, incluindo aí
verba para implementação de projetos e obras
De repente, certo dia, você virou a casaca
e mudou de partido
Trocou a bandeira, o hino e passou
a tocar em outra estação
Hoje você ainda é um mapa pendurado na parede,
porém já desatualizado, e como todo mapa velho,
não serve mais para estudo ou orientação
Sendo assim, a retirarei da parede e a encaminharei para reciclagem
Quem sabe você se transforme em outra pessoa e volte a ter uma outra função
Nunca mais, a dona de meu coração

Andando pela marginal Pinheiros, a caminho de um cliente, passei por um muro velho, que havia sido pintado de branco para apagar a pintura antiga, colorida. O tempo encarregou-se de descascar a tinta branca, deixando à mostra partes da antiga pintura. O trabalho feito pelo tempo desnudou um mapa, que se não entendido, pelo menos é pretendido.


PS: As imagens em P&B, que ilustram o meu texto, são  frames do filme "Psicose" de Alfred Hitchcock