31 de jul. de 2012

De branco no altar


As noivas sempre exerceram fascínio. Fica difícil explicar de forma racional o que representa a imagem de uma mulher, vestida de branco. Você pode gostar ou não do modelo, pode achar que a protagonista é feia ou bonita, mas jamais vai entender o porquê sua atenção se volta para uma delas, sempre que vê um carro passando com o seu interior praticamente tomado de tule branco; quando passa em frente a uma igreja e vê uma delas saindo cuidadosamente do carro; ou ainda quando folheia uma destas revistas que mostram a noiva do ano e até do século.


Sim, não são só as misses e modelos que têm o seu momento de consagração. Antes delas, as noivas já desfilavam há séculos pelos altares das igrejas, templos e capelas do mundo todo. Creio que as noivas sejam as primeiras modelos que pisaram em uma passarela. Caso resolva enxergar esta questão através de meu ponto de vista ou experiência, certamente vou me lembrar de alguns fatos ou momentos que ficaram registrados feito flashes em minha memória: a noiva sentada em uma cadeira de cabeleireiro, de frente ao espelho, enquanto tem a sua grinalda colocada à cabeça pelos súditos de plantão; a noiva passando dentro do carro ao lado, toda concentrada, sem conseguir enxergar nada além daquele momento especial; a noiva saindo de forma triunfal de dentro de um carro antigo estacionado em frente aos degraus da igreja; os noivos deixando a igreja depois da cerimônia, cercados pelas damas de honra, convidados, fotógrafos, chefes de cerimonial, seguranças, convidados e curiosos; uma série de noivas, em uma infinidade de igrejas, entrando na nave principal, tendo o braço do pai a apoiá-las na decisão tomada, ao som da marcha nupcial.

 

Ou seja, em minha memória estão registrados rolos e rolos de filmes analógicos, horas e horas de filmagens de noivas envoltas em um branco quase que total, virginal; um branco que - de tão branco - é capaz de ofuscar qualquer cor que apareça na sua frente e nos faz sentir simples seres mortais. Nós outros, seres mortais, porquê as noivas não morrem jamais.


BRANCO

Branco 100%
Branco total
Branco sujo
Off-White
Seda branca
Renda branca
Tule branco
Algodão super 100
Fio egípcio
Trama e urdume
Cartelas de cores
Pantone
Deu branco
É virgem
Tinge de vermelho
O branco do lençol

Branco. Esta foi a inspiração para que eu apresente a seguir a etiqueta feita para a marca de roupas e acessórios voltados para  o mercado de noivas, WHITEHALL.  


Sua construção é muito especial, já que utilizamos um acabamento chamado realce (feito em clichê) para deixar a etiqueta em um tom branco total.


28 de jul. de 2012

Concerto em fá (fã) maior


A prima tocava piano. A música que saía do instrumento tocava a minha alma. Era sempre assim. Ela ficava ali, sentada na pequena banqueta estofada de veludo carmim, e eu permanecia ao seu lado, olhando para o movimento de suas mãos junto às teclas a formar melodias.


Eu não entendia nada de música clássica, mas compreendia muito de harmonia. E harmônicas eram aquelas teclas posicionadas lado a lado em formação de difícil compreensão. As brancas mais pareciam jovens donzelas arianas e as pretas, doces meninas africanas. Juntas, eram responsáveis pelo som cristalino que saía de dentro daquele piano de mogno escuro. As mãos da prima ainda eram muito pequenas para alcançarem toda a extensão de certos acordes, mas eram suficientemente grandes para tocarem o meu coração.


As visitas à casa da prima tornaram-se muito mais desejáveis depois que ela começara as aulas de piano. As mesmas eram dadas por uma professora especialmente contratada por sua mãe, para que a filha pudesse aprender o instrumento no mesmo piano que fora seu. Nunca vou me esquecer do ritual empreendido por ela antes de cada seção. Primeiro ela retirava as partituras que ficavam guardadas no compartimento logo abaixo do assento de veludo.


Feito isto, baixava novamente o mesmo e sentava-se em posição de respeito. Em seguida, levantava a pesada tampa que guardava as teclas e retirava de cima delas o tecido feito de feltro verde musgo que as recobria, protegendo-as da exposição ao tempo e ao pó.


Só então escolhia a partitura desejada, abria-a e posicionava-a à sua frente. Daí para frente era música só.
Com certeza fui apresentado pela prima a ilustres compositores como  Franz Liszt, Ludwig van Beethoven, Frédéric Chopin, Vivaldi  e tantos outros.Não saberia à época identificá-los ou apontar-lhes as características, semelhanças e diferenças musicais. A única coisa que a prima poderia esperar de mim era - além de fazer-lhe companhia nos bifes que me ensinara (e eu adorava) - ser-lhe seu mais fiel expectador, além de seu fá (fã) maior.

O texto acima serviu de inspiração para apresentar-lhe em primeira mão um concerto - perdão, etiqueta - feita para uma loja de brinquedos que certamente inspira os sonhos de muitas crianças e adultos-crianças feito eu. Ela chama-se FÁBRICA e está localizada no bairro de Vila Madalena, em S. Paulo.
A etiqueta, desenvolvida e produzida, brinca com o lúdico na medida que tem o formato de uma antiga fábrica, com o seu telhado recortado, feito à laser. Ela mostra que a função de uma etiqueta vai muito além de informar a procedência do produto. Dependendo de como é feita, pode também nos fazer sonhar e - até quem sabe - fazer com que voltemos à nossa mais tenra infância. Todas as fotos da etiqueta foram tiradas em um velho parque situado no pátio de uma igreja próxima a minha residência.


PS: A série de fotos de piano, foram tiradas na casa de minha tia, do piano retratado no conto. Foi uma oportunidade única. Aproveitei que estava passando uns dias em Araçatuba e pedi à Carol, filha de minha prima Patrícia - a prima do conto - que fosse até a casa (fechada e razão da viagem de minha tia) fotografar o piano que se encontra até hoje na sala. Ele permanece como na época de minha infância. Fiquei admirado em ver que as cores do assento de veludo e do tecido que recobre as teclas serem exatamente as mesmas retratadas no conto, informadas à mim por minha memória visual.


26 de jul. de 2012

Vigilantes do céu


Na vida, tem certas coisas que só podem ser vistas se mirarmos o céu. A presença de algo ou alguém  a nos fazer companhia somente pode ser percebida quando olhamos para cima de nossas cabeças. O único sinal dado por estas criaturas  para indicar-nos a sua presença é - eventualmente - a sombra de seus corpos projetada no chão.

Quase ninguém sabe, mas o céu de São Paulo é protegido dia e noite por dois condores. Eles ficam planando nas alturas, vigiando posições e guardando cada canto da cidade. O que os fez adotar os céus de São Paulo ninguém sabe. Mas o fato é que eles o fazem por devoção. Eles seguem inclusive um roteiro pré-definido: começam vigiando a zona leste, depois a zona norte, a sul e finalmente a oeste; depois disto, permanecem planando na região central.


Basta algo sair da rotina para ambos deixarem suas posições e empreenderem voos rasantes nas zonas de perigo iminente. Sabe-se, inclusive, que eles mantêm alguns postos de observação  fixos, fazendo dos mesmos verdadeiros heliportos. Ninguém entra, circula ou sai da cidade sem ser visto por ambos.


E o que os paulistanos, em especial, ganham ou perdem com isto, já que os mesmos não podem efetivamente fazer nada de concreto para nos salvar ou poupar de algum contratempo ou infortúnio? Objetivamente falando, nada; nada mesmo. Mas penso que, de alguma forma, é muito bom saber que não nos encontramos sozinhos nesta cidade; que acima de nós existem duas criaturas zelosas, vigilantes e que - mesmo distantes - estão lá em cima para que não sejamos reféns da solidão.


Em São Paulo, ninguém pode dizer que está sozinho. No mínimo está em solo, acompanhado pelos dois condores e (para quem quer acreditar), pela presença de Deus.


 O texto acima foi criado para dar forma à apresentação do tecido que desenvolvi e produzi para a ALCAÇUZ. Na verdade foram dois tecidos: um utilizado para o forro das bolsas e outro desenvolvido especialmente para dar forma à algumas peças da coleção. O tecido feito para o forro das bolsas é o que chamo de marca d'água, em base tafetá.


Já o tecido para as roupas é um jacquard, com 3 variantes.


Variante 1: fundo em fio mescla cinza;

Variante 2: fundo algodão cru;
Variante 3: fundo azul jeans.


24 de jul. de 2012

O andarilho


Andava a esmo
Procurava, mas nada encontrava
Buscava, mas não alcançava

Andava a esmo
O olhar era para baixo
E só se levantava quando alguém passava ao lado,
Vinha a seu encontro,
Ou passava-lhe as pernas em vantagem, força e coragem

Andava a esmo
Não tinha para onde ir,
Porque vir ou a encontrar
Nenhuma promessa feita ou recebida
E por isso mesmo, nenhuma pressa

Andava a esmo
Perdido em pensamentos
Aflito por alguns momentos
Em falta com os sentimentos (próprios e alheios)

Andava a esmo
Sem lágrimas para derramar
Sem ouvidos para lhe escutar
Sem voz para lhe chamar

Andava a esmo
O ontem já não mais contava
O hoje não lhe dizia nada
O amanhã não lhe importava
E com certeza não lhe acrescentaria nada

Andava a esmo
Andava, andava e andava
Se parasse os pensamentos lhe atropelariam na calçada
E ele morreria feito um indigente,
sem carteira ou documento
Portanto, não correria perigo de alguém revelar-lhe a  verdadeira identidade

Andava a esmo
A esmo andava


A poesia acima traduz bem  o tecido feito para a marca de roupas e acessórios femininos BIANCA RANUCCI. Ele foi desenvolvido e produzido para a coleção de inverno 2012 da estilista. A estampa é baseada em um mapa geográfico da costa oeste dos Estados Unidos da América. Foram feitas três variantes de cores que você pode ver abaixo. Fiz estas fotos no parque Ibirapuera. Queria que elas refletissem o asfalto, a estrada.


Veja também um modelo desenvolvido pela estilista com o tecido:


PS: A ilustração que inicia o post é criação da Leo Burnett de Taipei, Taiwan, para Johnnie Walker.