28 de mai. de 2013

Cocorocó




Esta estória baseia-se - por incrível que pareça - em fatos reais. A personagem Dalva foi inspirada em minha sogra Ruth, que de fato, foi a verdadeira dona do galo.

Pode uma jovem apaixonar-se por um galo, a ponto de criá-lo como se fosse seu cachorrinho de estimação?

Pode, e foi exatamente isto que Dalva fez.

Jovem, no alto de seus vinte e quatro anos, Dalva era uma típica garota dos anos 50. Morava no bairro do Itaim, em São Paulo, na companhia de sua irmã mais velha e de seus pais.

Naquela época, não era exatamente comum que garotas trabalhassem fora de casa. Mas este era o caso de Dalva. Filha de pais imigrantes italianos que desembarcaram na cidade à procura de uma vida melhor, longe da Europa devastada pela guerra, Dalva - seguindo o exemplo de sua irmã mais velha - ao completar dezoito anos arranjou um serviço na empresa de um tio que enriquecera ao fundar a primeira empresa de marcas e patentes da cidade.

O sucesso do tio fora tão grande que o mesmo vivia em viagens constantes à Europa, onde ia pessoalmente atender os clientes arregimentados por lá (além de rever as amantes, claro). Dalva tornou-se então, ao lado da irmã, secretária particular do tio.

Apesar de morar em uma casa agitada, com constantes visitas de parentes, Dalva sentia-se muito só. Tinha o gênio oposto ao da irmã e a convivência entre elas era apenas formal. Não eram confidentes, não dividiam as mesmas opiniões e - como todas as irmãs - competiam pelo amor e atenção dos pais.

Certo dia, em visita a uma vizinha, Dalva ganhou um pintinho. Levou-o para casa protegido na palma de suas mãos, como se o mesmo fosse uma joia. A mãe tentou de todas as formas convencer a filha a devolver o pintinho a vizinha, mas Dalva chorou, chorou e chorou até que a mãe - com dó - permitiu que o pintinho ficasse.

A irmã protestou, ao ver que Dalva providenciara uma caixa de sapatos forrada com uma blusa velha, fazendo da mesma um bercinho, e a instalara ao pé da sua cama; as duas dividiam o mesmo quarto.

O clima só sossegou quando o pai chamou a filha mais velha de lado e explicou-lhe sobre a fragilidade da irmã, que contraíra febre reumática na infância e - por isso - desde então, requeria cuidados especiais. Convenceu-a de que - ela sim - era forte e poderia muito bem levar a vida sozinha, sem a companhia de nenhum animal de estimação (muito menos um galo).

Desta forma Dalva pode criar o seu pintinho em paz, dando a ele todo o carinho e amor de que necessitava. Batizou-o de Gema, dada a sua cor amarela.

Dalva e Gema tornaram-se inseparáveis. Onde Dalva ia, Gema corria atrás. Quando Gema virou galo, passou a acompanhar a dona em suas incursões pelo bairro. Acompanhava-a a padaria, ao açougue, à mercearia e onde mais Dalva resolvesse ir.

Todas as manhãs, quando Dalva saia de casa para ir ao trabalho, Gema ia com ela até o ponto de ônibus. Assim que Dalva subia no trólebus, Gema fazia o caminho de volta para a casa. E para espanto de todos os que acompanhavam o dia-a-dia dos dois, Gema fazia algo que era inacreditável: próximo da hora em que Dalva voltava, Gema postava-se no ponto e ficava ali quietinho esperando a dona chegar. Quando ela finalmente descia do trólebus, aproximava-se da ave e - ajoelhando-se - fazia-lhe um carinho na crista; só então caminhavam de volta para casa.

O destinho de Gema começou a mudar quando o mesmo passou a cantar de madrugada. Era batata: quando o relógio aproximava-se de três horas, Gema começava a cantar e só parava quando Dalva, por volta de cinco e meia acordava para fazer o café e arrumar-se para sair.

A mãe de Dalva começou então a ameaçar:

- "Eu ainda mato este galo!". Recusava-se a chamá-lo pelo nome.

- "Mãe, pelo amor de Deus! O que ele pode fazer. É o instinto. Você já viu galo que não canta?"

_ "Qualquer dia vou fazê-lo cantar na panela".

- "Pelo amor de Deus, mãe. Nem pense nisso!"

Certa madrugada Gema passou dos limites. Cantou feito um tenor em dia de estréia no Municipal. Decerto estava apaixonado por alguma galinha das redondezas.

Pois foi nesta madrugada que dona Margarida, a mãe, selou o destino do galo:

- "É hoje que ele vai para a panela. Eu quero é poder dormir em paz!"

Ao amanhecer, Dalva cumpriu o ritual diário e fechou o portão da casa, não sem antes olhar para trás e ver se Gema a seguia.

Achou estranho quando na volta não avistou o galo a esperando no ponto. Correu aflita para casa, gritando pelo seu nome:

- "Gema, Gema....Gema...cadê você!"

Abriu o portão e encontrou a mãe na cozinha.

- "Mãe, cadê o Gema? Ele não estava no ponto me esperando."

A mãe, que a esta altura se encontrava com a barriga encostada na pia, descascando batatas, sem voltar-se para a filha, respondeu:

- "Dalva, eu pus um fim no seu galo (fez-se uma longa, quase infinita pausa)...Eu, seu pai, sua irmã e toda a vizinhança já não aguentava mais aquela cantoria..Torci o pescoço  dele e preparei um ensopado para o jantar."

Dalva soltou um grito de horror. O pai, que estava por perto, tentou consolá-la, mas ela saiu correndo para a rua gritando e dizendo:

- "Assassina, assassina, assassina!"

Não cabe a mim aqui julgar a atitude de dona Margarida. Para quem já passara por uma guerra e fugira de seu país sem levar consigo uma lembrança se quer, talvez aquele ato não fosse assim tão aterrorizante.

Dalva levou muito tempo para superar o acontecido. Para ela, pior do que matar o galo foi a mãe fazer um ensopado do próprio infeliz. Apesar de gostar da mãe, não a perdoou jamais.Ela um dia disse-me com todas as letras:

-" Com certeza, se isto tivesse acontecido nos dias de hoje, eu é que teria torcido o pescoço dela!"


Apesar do final triste, esta estória nos apresenta as diferentes formas de pensar e agir dos seres humanos. Karl Marx (1818 - 1883) já dizia que somos o produto do meio em que vivemos. Nada mais verdadeiro.
Esta estória fez-me lembrar de uma etiqueta que desenvolvi e produzi em 2008 para a marca de sapatos FRIDA, comandada por ALINE BALESTTEROS. Formada pela faculdade de Belas Artes, Aline confecciona sapatos feitos à mão, com estilo e design bastante próprios. Suas criações primam por uma limpeza visual e detalhes pontuais que fazem a diferença.


Naquela ocasião Aline desejava criar uma segunda marca dentro de seu portfólio de produtos e batizou-a de GEMA. A etiqueta traz a figura de um pintinho ao lado do ovo, localizado no lado direito da mesma; o logo GEMA antecede o desenho. O fundo é carvão e o logo branco.


Para fotografar a etiqueta, dirigi-me ao Parque Mário Covas, acompanhado de três pintinhos coloridos feitos em papel machê: um amarelo; um rosa e um laranja. Os mesmos dividiram a cena com a etiqueta e não deram se quer um piu. Confira.
























O Parque Mário Covas situa-se na avenida Paulista, esquina com a rua Ministro Rocha Azevedo. Ele é pequeno e mantém preservada de uma pequena reserva de  mata atlântica, em meio ao burburinho desta que é a principal avenida da cidade de São Paulo.

Frase do dia: Oscar Niemeyer era especialista em curvas. Todas inspiradas na mãe natureza.



(*) capa do catálogo H.STERN "Um passeio pelas curvas infinitas de Oscar Niemeyer"


Encontrei esta escultura feita em areia na praia de Copacabana, Rio de Janeiro.

A imagem que abre este post é um grafite que se encontra ao lado da porta da galeria de arte Mônica Filgueiras e Eduardo Machado, na rua Bela Cintra, em São Paulo.

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