11 de mai. de 2013

Espelho


Mauro estava se vendo em frente ao espelho da barbearia.

O tempo passou, os cabelos brancos e as rugas de expressão chegaram de mansinho e tomaram conta de seu rosto e couro cabeludo.

À esta altura da vida, não dá mais para disfarçar: ficou velho.

Enquanto olha para si, o barbeiro faz o trabalho de sempre. O corte é o mesmo e, se bobear, a tesoura que apara os cabelos já ralos  também é a mesma de 30 anos atrás.

Mauro sempre conduziu sua vida para que nada - ou quase nada - viesse a mudar. Das coisas que não conseguiu manter como na juventude, a saúde foi uma delas. As doenças que efetivamente ele não tinha, as inventava.

Mauro é um hipocondríaco de carteirinha (vide bula).

Construiu e mantém até hoje um casamento aparentemente sólido. Se há muito tempo já não existe mais amor, sobrou um monte de outros sentimentos por Margarida. Dentre as suas maiores virtudes, podemos destacar a fidelidade, o companheirismo (acompanhado de muita rabugice) e o compromisso de sustentar a casa e a família, custe o que custar. Seus dois filhos, há muito tempo homem e mulher feitos, chamam-se Carlos e Odete.

Mauro focou sua vida na construção e manutenção desta família. Tudo o que fez, todos os seus sacrifícios, todos os riscos que assumiu para si, foram em razão de dar uma boa vida à mulher e à prole.

Proporcionou aos filhos bons colégios, não de ponta, mas bons colégios, formação cristã, cuidados com a saúde e alguma diversão, traduzida em viagens de final-de-ano para balneários no interior de São Paulo.
À mulher, proveu-a de condições financeiras para fazer uma boa feira, um supermercado farto, com um dinheirinho de sobra para alguns mimos como   um vestidinho novo, um sapato de vez em quando, perfume, batom, blush e os tradicionais serviços de cabeleireiro. Se bem administrado, no final do mês, dá até para dar uma escapadinha à doceria do bairro e comer as bombas de chocolate que tanto gosta.

A atenção que Mauro deu à família, não foi extensiva aos parentes em geral e à sociedade como um todo. Isolou-se em casa, nunca comparecendo a reuniões familiares e acontecimentos sociais que envolvessem seus parentes. Para ele, o que importa é a família e pronto.

À quem queira dar-lhe ouvidos, não se cansa  de exibir os filhos como seus verdadeiros troféus. Eles representam o sucesso que passou longe de sua vida. Mauro criou os filhos para serem seus super-heróis. Para ele, seus rebentos são o contra-cheque que justifica uma vida inteira sempre tão espartana.

Carlos, o filho mais velho, chegou à diretor de uma empresa multinacional. Seu maior prazer era oferecer aos pais presentes caríssimos, os quais sabia que os mesmos nunca conseguiriam ter por si próprios. O conto de fadas só desmoronou quando a matriz da tal empresa sofreu intervenção federal por gestão fraudulenta, o que acabou acarretando (em efeito dominó) na demissão do filho.

Já Odete, filha mimada de personalidade forte, adorava exibir-se em reuniões familiares (às quais o pai não comparecia), alardeando as conquistas extraordinárias que conseguia junto à famosa instituição de ensino à qual era era professora. A ficha só caiu quando foi demitida por "alguém" que certamente a invejava por sua competência "fora-de-série". Para Mauro, ela foi uma grande injustiçada.
O barbeiro termina o corte e vê que Mauro está longe, perdido em seus pensamentos. Segura o espelho em suas mãos, posicionado atrás da cabeça de Mauro para mostrar ao freguês o corte que fizera:

- "Mauro....Mauro....veja se ficou bom."

- "Ah, claro, tava longe..."

- "É, eu percebi."

- "Ficou ótimo, como sempre Natalino."

Mauro já se preparava para levantar da cadeira quando, ainda num último lampejo, pensou:

"Nossa, uma vida inteira de sacrifícios para ser um espelho na vida de meus filhos e hoje vejo que não lhes dei a única coisa que eles poderiam esperar de mim: a imagem da felicidade refletida na minha pessoa."

Este trabalho que apresentarei a seguir, tirei do fundo do bau. É um espelhinho que fiz para a marca de roupas e acessórios feminina CRIS BARROS.



A face estampada traz um fundo temático, quadriculado, alternando quadradinhos foscos e brilhantes, tudo em tom dourado; no centro, em letras brancas, encontra-se o logo. A fita original é também dourada. Este espelhinho funciona como um tag diferenciado, que carrega em si um valor agregado ao produto principal: as roupas e acessórios da marca.

Não me canso de dizer e vou continuar batendo forte nesta tecla: não existe sucesso empresarial dissociado de uma dose extra de criatividade e originalidade. Para se fazer importante ao mercado em que atua, as empresas têm que investir em produtos que saiam do arroz-com-feijão de sua atividade principal. Quem não faz isto, morre refletida em sua falta de competência. Falei e disse.

Fiz as fotos diretamente de um dos primeiros books que montei, no início de meu trabalho. Ele já está velhinho, mas - a cada vez que o vejo - não me canso de repetir que ainda gosto dele.








Recado do dia: Resolvi fazer um consórcio de sogras: se você for premiado, leva uma delas na hora para casa.

*A foto que abre o post é uma cena do filme "The apartment" (1960), de Billy Wilder.

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